segunda-feira, 6 de julho de 2015

MARIA: CHEIA DE GRAÇA OU AGRACIADA?

INTRODUÇÃO

Maria é motivo de controvérsia entre católicos e protestantes. O conflito é antigo e já perduram os séculos. Desde que o monge agostiniano Martinho Lutero causou a maior ruptura no cristianismo ocidental, os reformadores foram retirando aos poucos a presença de Maria na espiritualidade ao ponto de, desconsiderar conceitos e dogmas importantes já confirmados pela Igreja Católica (Ocidente e Oriente) há séculos atrás.

Atualmente é muito comum que ao procurar qualquer tema relacionado à Mãe de Deus pela internet, encontremos mentiras e heresias propagadas por embusteiros que na tentativa de desqualificar a virgem santíssima, recorrem a péssimos argumentos e manobras que infelizmente, levam muitos ao engano e a mentira.

A proposta desse novo artigo é defender algo que já está devidamente refutado pela tradição da Igreja. Não trago aqui, um novo conceito ou uma nova interpretação, ao contrário disso, uma análise dos erros grotescos do protestantismo radical que procura fundamento em uma exegese vazia e puramente humana, isto é, longe da alma cristã.

O texto aqui refutado trata-se de um “contra-argumento” de um protestante que queria refutar outros católicos sobre o tema da “graça concedida a Maria” por conta da sua maternidade divina.

Minhas respostas estarão em preto e as do protestante em vermelho.


 REFUTANDO ACUSAÇÕES

1 - Segundo a alegação católica romana, as bíblias protestantes estariam propositalmente adulteradas porque supostamente não traduzem o termo Kecharitomene (grego) ou Gratia Plena (latim) pela expressão cheia de graça, na saudação angélica à Maria. Todas as traduções protestantes usam o termo "agraciada" ou seja, adulteraram o texto descaradamente. Que o termo KECHARITOMENE significa CHEIA DE GRAÇA, isto só existe na cabeça dos católicos.  É perfeitamente correto e mais fiel traduzir «Kecharitomene» com «agraciada», «favorecida» ou «muito favorecida» (e há bíblias católicas que traduzem assim) do que com a expressão «cheia de graça».

Coloquemos os pingos em suas devidas palavras. A palavra grega “κεχαριτωμένη” trata-se de um “vocativo”. O anjo não chama a virgem de Maria e sim já recorre ao uso do termo grego para indicar qual o motivo da escolha e o quão importante seria sua coparticipação na história da salvação através de sua maternidade divina. É como se no momento da anunciação, Maria tivesse trocado de nome, para assim, ser chamada por aquilo que a representava espiritualmente.

O uso dessa palavra denota de altíssima importância no relato do evangelista (Lc 1,28), uma vez que, em toda a literatura bíblica, lemos em um único verso dois acontecimentos isolados; um de cunho histórico e outro exegético, sendo eles:

1 – [Histórico] Em todo o projeto de salvação sonhado por Deus, jamais uma mulher havia sido saudada por um Anjo;

2 – [Exegese] Único registro bíblico do uso do vocativo κεχαριτωμένη indicando o efeito em que a graça manifestada em Maria traria ao mundo ao receber o próprio Deus em seu ventre (Mt 1,23).


De fato, a tradução latina da vulgada (gratia plena) não corresponde adequadamente à palavra do original, onde sua melhor aplicação seria “agraciada”, entretanto, é necessário compreender que a chave do sentido principal da palavra não está no vernáculo original de cada país e sim no contexto dos relatos dos evangelhos sinóticos, onde através deles, descobriremos o porquê usar “cheia de graça” é muito mais adequado do que a própria tradução poderia sugerir. É necessário entender que o uso dessas duas palavras por São Jerônimo permitiu a Igreja interpretar adequadamente o que viria ser a graça atuante em Maria, desde o início da sua concepção.

Partindo desse pressuposto, podemos analisar os seguintes pontos:

1 – Maria não recebeu uma graça particular dentro do tempo (chronos) e sim, anteriormente a sua própria vontade, já se encontrava em estado de graça (ευρες γαρ χαριν) – “Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus” (Lc 1,30);

2 – Maria, conforme o original grego é agraciada não por seu mérito, mas sim porque Deus, por meio de uma “ação prévia” transformou-a para que ela fosse digna de carregar o próprio Cristo em seu ventre. É por isso que cremos que a virgem foi preservada do pecado original, uma vez que, a graça derramada na mãe do Salvador permitiu que fosse a causa principal de sua vocação, que antes mesmo da fundação do mundo, já estava designada a ser portadora da “maternidade messiânica”;

3 – Assim como Jacó foi escolhido antes mesmo do seu nascimento (Rm 9,11-13), Maria foi escolhida, preservada e preparada para a missão de ser portadora de Deus;

4 – Chamar Maria de “agraciada” significa afirmar que a Mãe de Deus foi transformada pela graça. Não faria sentido o evangelista S. Lucas usar κεχαριτωμένη sem que o motivo fosse revelar o dom sobrenatural concedido pelo altíssimo a virgem santíssima. Essa palavra foi reservada exclusivamente a Maria como prova de que ela era “cumulada pela graça” santificadora de Deus.

Se entendermos que a Mãe de Jesus possuiu a plenitude da graça ao ser considerada digna de receber o próprio messias, da descendência de Davi, profetizado pelos profetas vétero-testamentários, podemos afirmar que a tradução da vulgada esta corretíssima em afirmar que Maria era e é “cheia de graça”.

Por esse motivo, a Igreja entende que traduzir o vocativo de Lc 1,28 simplesmente por “agraciada” não corresponderia satisfatoriamente à consequência do bem enraizado no ventre de Maria. Jesus Cristo é a plenitude de todas as graças e para ser digno de carregá-lo por nove meses e torná-lo submisso por trinta anos, mesmo sendo Deus, só poderia ser caracterizado por alguém que foi transformado por uma graça anterior ao próprio tempo, isto é, alguém que seria agraciada pela sombra do altíssimo (Lc 1,35), no caso, Maria Santíssima.

O uso de “agraciada” não é um detrimento a expressão “cheia de graça”. Enganam-se os protestantes (e até alguns católicos) por pensarem dessa forma, ao contrário disso, mostra-nos o quão cumulada Maria foi pela graça santificadora de Deus. A tradução utilizada só procurou retratar com um maior “peso” o que de fato significaria ser “agraciada” perante o altíssimo.

Ou alguém aqui duvidaria que São Jerônimo, tradutor das escrituras, dominador do latim, grego e hebraico, erraria ao escrever “gratia plena”? Não se engane, a interpretação do verso está em pleno acordo com a maternidade messiânica de Maria e Jerônimo quis retratar esse fato ao mundo na vulgada.

Os protestantes possuem certa preferência a esse grande santo da Igreja por sua relação pouco amistosa com os livros deuterocanônicos, isto é, usam-no apenas pelo o que os convém e descartam o restante de seu pensamento literário e hermenêutico. Usam-no para defender suas heresias biblistas e o descartam por conta de um único versículo.

Creiamos: Ave Maria, cheia de graça!

2 - A palavra πληρηϲ que pode ser traduzido por PLENA, CHEIA OU COMPLETO não se encontra no original grego para o verso de Lucas 1:28. Onde se encontra textualmente a expressão «cheia de graça» é em outros 2 textos como João 1:14 referindo-se a Jesus, segundo o texto grego original do CODEX SINAÍTICUS onde se lêπληρηϲ χαριτοϲ. E em Atos 6:8 referindo-se a Estêvão, onde se lê πληρηϲ χαριτοϲ (CHEIO DE GRAÇA). De acordo com o texto grego do CODEX SINAÍTICUS: Os católicos querem forçadamente traduzir exclusivamente «Kecharitomene» com «cheia de graça» porque acham que com essa expressão justificam a imaculada conceição de Maria. Ou seja, dissimulam apontando adulteração em nossas bíblias quando na verdade eles é quem adulteram para sustentar suas crendices. Mas como vimos, a Bíblia usa a expressão CHEIO DE GRAÇA só para Jesus e Estêvão, não para Maria. Para Maria a Bíblia usa a expressão de agraciada ou muito favorecida. Portanto, se alguém adultera a Bíblia são as traduções católicas ao traduzir «Kecharitomene» com «cheia de graça». Para além disso, como dito acima, outras traduções católicas usam o termo agraciada ou muito favorecida, e não CHEIA DE GRAÇA. 

Como já explicado, o uso da expressão “cheia de graça” está acertadamente traduzido devido ao cenário em que Maria Ss encontrava-se ao receber a plenitude da graça em seu próprio ventre, que é o Cristo. O grande problema está em mais uma vez, usar de um argumento fundamentalista na tentativa de diminuir o peso da palavra “agraciada” como se ela tivesse menos importância por conta de uma tradução do português ou do latim.  

De fato, existem traduções católicas que traduziram o verso de Lc 1,28 até mesmo com a palavra “favorecida”, como por exemplo, a “Bíblia do Peregrino”:

Lc 1,28Alegra-te, favorecida, o Senhor está contigo.

Trazendo esse verso para o português, podemos analisar que o uso aqui de favorecida é um “particípio passivo” que retrata uma ação já realizada. Isto é, se entendemos que a graça é um favor concedido por Deus, à saudação do Anjo, chamando-a de “agraciada ou favorecida” afirma que a graça contida em Maria foi realizada anteriormente a sua própria concepção, ainda que ocorrida pela ordem natural. Esse acontecimento só seria possível devido à antecipação dos méritos de nosso Senhor Jesus Cristo. Deus, no uso de sua plena onipotência, prepararia uma mulher, cumularia-a de graça e semearia seu espírito a fim de que o salvador habitasse em uma terra santa (ventre) e é nesse sentido que o vocativo κεχαριτωμένη deve ser interpretado e verificado.

É interessante mencionar que S.Lucas usa πληρηϲ χαριτοϲ (cheio de graça) para Estevão (At 6,8) e recorre a uma palavra diferente e única para Maria. É natural pensar que Lucas (escritor do evangelho e dos atos dos apóstolos) sabia que o vocativo colocado à virgem deveria ser singular de tal forma que representasse a ruptura histórica que aquela criança traria ao mundo. Percebam que a sequência atribuída a pelo evangelista não termina no verso 28, ao contrário, é concluído no verso 30 onde o próprio Lucas realiza a interpretação de seu texto.

Quando o anjo diz que Maria "encontrou graça" (ευρες γαρ χαριν) perante Deus, Lucas utiliza-se de outra expressão encontrada somente no Êxodo que outrora fora dirigida a Moisés:

Ex 33,17  Iahweh disse a Moisés: “Farei ainda o que disseste, porque encontraste graça aos meus olhos e conheço-te pelo nome”.

Ex 33,17  κα επεν κριος πρς Μωυσν κα τοτν σοι τν λγον ν ερηκας ποισω ερηκας γρ χριννπιν μου κα οδ σε παρ πντας

Basicamente, Lucas trabalha com duas expressões para finalizar de um único modo a sua intenção:

1 – Lucas 1,28: κεχαριτωμένη = agraciada anteriormente ao tempo. Carrega no ventre a plenitude das graças (Jesus Cristo).

2 – Lucas 1,30: ευρες γαρ χαριν = Maria encontra graça perante Deus e Lucas para afirmar que ali nasceria um novo povo, usa às mesmas palavras escritas pelo autor de Ex 33,17.


Levando em conta essas duas únicas passagens, vemos que claramente a Mãe de Deus é apresentada como uma continuidade dos antigos heróis da fé. Anteriormente a Jesus, Moisés era o protagonista direto ao ter contato com a Teofânia manifestada no seio hebraísta. Através dele, um novo povo surgiu com a saída do Egito e da travessia do mar vermelho. Através de Maria uma nova nação surgiria pela salvação do Cristo e pela remissão dos pecados através do batismo.  

Por isso que mais uma vez afirmo: utilizar a expressão “cheia de graça” ou gratia plena do vocábulo latino é afirmar o mistério envolvente do nascimento de um Deus que habitou nove meses no ventre uma mulher.

Frente a todas as provas escriturísticas apresentadas nesse pequeno bloco, como contestar a verdade?


3 - O católico acima já começa errado pois no original grego para o verso de Lucas 1:28 como demonstrado acima, não existe a expressão CHEIA DE GRAÇA, e sim KECHARITOMENE, se fosse estar como CHEIA DE GRAÇA, deveria estar em grego a expressão "πληρηϲ χαριτοϲe não "κεχαριτωμενη". O Dicionário VINE expositivo e exegético das palavras no grego em sua pagina 680 assim nos informa === “Nota: o verbo correspondente charitoõ, “dotar com favor ou graça divina”, é usado em Lc 1,28 (“agraciada”) e Ef 1,6 (“nos fez agradáveis”)”. 

É importante ressaltar que o uso da palavra κεχαριτωμένη também pode ser atribuído a um sentido de “plenitude”, uma vez que, o significado de agraciada nada mais é daquela que foi “transformada pela graça”.

O próprio dicionário “VINE” faz essa exposição ao dizer que o verbo é correspondente e traduzido por “dotar com a graça divina”. Essa graça é santificadora, plena e perfeita e é por isso que o evangelista usa acertadamente o vocativo para indicar o quão grande é o mistério que envolve Maria Santíssima no processo de salvação.

Ambas as palavras do grego podem ser intercomunicáveis.


4 - O texto grego chama a Estevão de πληρηϲ χαριτοϲ que significa "CHEIO DE GRAÇA", e para Maria usa a expressão κεχαριτωμενη que significa AGRACIADA ou ALTAMENTE FAVORECIDA e é evidente que um foi AGRACIADO de forma diferente que o outro, um foi receptor da graça, por ser pecador. Estevão estava "cheio da graça" de Deus, porém não foi preservado do pecado original. Quanto a Maria, podemos ver como ela foi AGRACIADA ao continuarmos a ler 2 versos em seguida: "O anjo disse-lhe: Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus." (Lucas 1.30 - Bíblica Ave Maria)

E que graça foi esta? Ora, a de ser mãe do nosso SALVADOR JESUS CRISTO, logo, neste sentido Estevão não foi agraciado como Maria obviamente. O texto em nada se refere a ser imaculado.

Lucas foi o escritor do terceiro evangelho sinótico e também da obra intitulada de “Atos dos Apóstolos”. Em duas grandes oportunidades, o evangelista descreve a ação de Deus mediante a graça recebida e para isso, usa termos distintos para compreender a missão de cada pessoa. Mais uma vez, é necessário mencionar que uso do termo grego (κεχαριτωμένη) é unicamente usado nesse verso. Não há qualquer outra passagem bíblica que seja traduzida com a utilização desse vocativo. A aplicação é clara devido à missão entregue: enquanto Maria havia sido transformada pela graça para receber a plenitude da divindade em seu ventre, Estevão era “cheio de graça” porque havia sido cumulado por Deus dentro do tempo. Lucas usa propositalmente palavras diferentes, para Maria, a vocação era única e perfeita.

O verbo “agraciar” (
χαριτoυν) e a expressão “achar graça” (ευρειν χαριν) não tratam-se de sinônimos, ao contrário disso, seguindo a exegese católica e o enredo bíblico, ambas fazem parte de uma estrutura ternária:

1 – agraciada (cheia de graça) (Lc 1,28);

2 – achaste graça (Lc 1,30);

3 – eis que conceberás (Lc 1,31). 

Esses três encontros decorrem no processo do projeto divino que Deus escreveu para Maria. Estar agraciada deve-se a uma ação prévia por parte de Deus que criou Maria com o intuito de que ela fosse “repleta do favor divino”. O anjo diz que foi encontrada a “graça em Maria” e a concepção do fruto (Verbo encarnado) revela o porquê da virgem ser “cheia de graça”: a virgem era dona da maternidade messiânica já profetizada pelo profeta Isaías:

Is 7,14 – “Pois sabeis que o Senhor mesmo vos dará um sinal. Eis que a virgem está grávida e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel”.

De fato, o verso não faz alusão à imaculada concepção de Maria, porém, por consequência da impossibilidade de pecado do Cristo (Hb 4,15), a Igreja desde muito cedo, entendeu que o ventre de Maria e a graça concedida em sua plenitude por Deus, tinham como primícia abrigar a encarnação do altíssimo e por esse motivo, deveria ser sem mácula. Assim como a arca da aliança foi desejada por Iahweh (Ex 25,10) e nela constava a antiga aliança (Ex 25,16), a vara de Arão (Nm 17,10símbolo do sacerdócio) e o maná (Hb 9,4o pão descido dos céus), assim, Maria sendo a “nova arca”, carregava em seu ventre imaculado o próprio Jesus que representa a nova aliança (Hb 12,24), o verdadeiro sumo sacerdote (Hb 4,14) e o próprio pão descido dos céus (Jo 6,51).

O uso único e proposital do termo “κεχαριτωμένη” pelo evangelista Lucas, apenas afirma e corrobora com a santidade da vocação da Mãe de Deus (Lc 1,43).

5 - κεχαριτωμένη não significa plena, nem mesmo repleta. Tal expressão remete à  χαριτόω, e como já dito acima, se fosse significar CHEIA DE GRAÇA, tal termo teria que ser precedido por πληρηϲ e não κε muito menos terminar em μένη. O prefixo de particípio perfeito (tempo passado indefinido) "κε" antes do radical χαριτόω indica tempo passado, ou seja, que ela FOI agraciada, ou favorecida, e o sufixo "μένη" depois do mesmo verbo, indica estar sendo agraciada no presente contínuo e nada mais que isso. O que tudo isso quer nos dizer? Ora, que Deus em sua infinita graça, favoreceu altamente a Maria com uma graça ou favor sem igual que jamais haverá outro do tipo, e que eternamente tal graça será lembrada.

Mediante ao já exposto até aqui, é importante, mais uma vez, trabalhar com as palavras “agraciada” e “favorecida”, já que, o autor das questões parece repetir incessantemente os termos com o único intuito de desmerecer o uso do vocativo aplicado por Lucas. O cerne da questão é entender o porquê de nossas traduções conservarem a expressão “cheia de graça” em detrimento do uso de “muito favorecida” ou “agraciada”.

Como o protestante bem afirma, Maria Ss foi altamente favorecida por Deus. E qual seria esse “favor”? A resposta é encontrada no decorrer do enredo do evangelho (Lc 1,30): “Achaste GRAÇA”.

Agora, digam-me: Se o próprio Anjo, afirma que a virgem ENCONTROU GRAÇA perante Deus, qual a dificuldade de entender que a interpretação do termo está ligada ao contexto da passagem e não propriamente dito ao uso exclusivo e fundamentalista de uma única palavra isolada?

O uso da tradução católica, que segue fielmente a vulgada, interpreta que ao dizer que Maria é “cheia de graça”, afirma que a Mãe de Deus foi agraciada e transformada por essa graça santificante oriunda do Deus altíssimo.

Em diversas passagens do velho testamento, lemos que o local em que a arca da aliança se encontrava, era tomado pela presença poderosa de Deus através de uma nuvem:

Ex 40,34 – “A nuvem cobriu a tenda da reunião, e a glória de Iahweh encheu a Habitação”.

Esse fato ocorreu semelhantemente com Maria, ao ser ela, tomada plenamente pelo poder de Deus:

Lc 1,35 – “O Anjo lhe respondeu: o Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a sua sombra

Prender-se a tradução literal de uma palavra, não compreende o contexto interpretativo do que a passagem está a oferecer. O termo é único a Maria, não porque fosse um fato qualquer e sim, porque a graça encontrada por Deus através de Maria era de fato puramente plena, abundante e cheia.

É por esse motivo que São Jerônimo, traduz acertadamente que Maria possuía a “gratia plena” e os motivos são claros:

1 – Foi o próprio Deus que preparou o santo ventre que habitaria Jesus Cristo por nove meses (Lc 1,35);

2 – O fruto perfeito e sem mácula, presente em Maria, era e é o verdadeiro Deus, o verdadeiro messias (Mt 1,23; Mt 16,16).

Receber a sombra do altíssimo e carregar o próprio Deus durante nove meses no próprio vente, não retrata uma mulher “cheia de graça”? Dessa forma, continuamos com a interpretação corretíssima que a Igreja Católica nos concede, mediante a ação do Espírito Santo:

Lucam 1,28 – “Et ingressus ad eam dixit: “ Ave, gratia plena, Dominus tecum”.

6 - O texto (Lc 1:30) faz referência ao nascimento de Cristo por meio de MARIA, essa foi a enorme graça a ela concedida. O verso nada se refere a ela ser imaculada, estar sendo imaculada, ou anunciada como sempre sendo imaculada. 

Embora o assunto em questão não seja sobre o dogma da “imaculada concepção” de Maria, se faz importante afirmar que o versículo de Lucas 1,28 não é o único argumento utilizado pela Igreja para comprovar a imunidade de Maria frente ao pecado. O verso é de fato, uma afirmativa verídica de que algo mais que especial havia sido concedido a uma criatura preparada pelo próprio Deus para receber o SANTO salvador do mundo.

A nenhum dos outros personagens bíblicos é reservado tal título (kecharitomene) e é a Maria Ss, semelhantemente a arca da aliança, que Deus habitou em sua plenitude e graça. O dogma da imaculada concepção é óbvio e não são necessárias muitas explicações. Jesus Cristo, sendo perfeitamente Deus deveria habitar em um templo santo. Maria recebeu o próprio verbo (Jo 1,1), a própria palavra. Como afirmar que seu ventre poderia ser manchado pelo pecado sendo que sua missão era a mais importante de toda a história da humanidade?

A saudação do Anjo à Maria não explica o milagre da preservação do pecado original, mediante os méritos de Jesus Cristo e sim, afirma o que muitos padres, doutores e teólogos tem ensinado durante os séculos. A fé católica não trabalha com interpretações pessoais e sim, em pleno consenso de seu magistério, aliado a tradição e a escritura, assistidas assim pelo Espírito Santo.   

7 - Quem na verdade adulterou o texto se formos apelar a mesma ladainha destes católicos, foi Jerônimo que adicionou o "plena de graça" ou "cheia de graça" no texto. 

Parece que o escritor do texto faltou em alguma aula de história do seu curso de teologia.  Devido a grande necessidade que a Igreja encontrava-se em ter material de fácil acesso e traduzido em uma língua popular, anteriormente a São Jerônimo, existiram algumas traduções para o latim por parte de copisas ou leigos que na intenção de preservar os textos e compartilhá-los com outras comunidades, passaram a traduzir os manuscritos gregos/hebraicos para o latim, porém, com muitas imprecisões. Esses textos, não oficiais, foram conhecidos como “Vetus Latina” (latim antigo). Muito provavelmente, e aqui só podemos conjecturar, Jerônimo possa ter utilizado alguns desses escritos como um protótipo ou base de consulta para iniciar seus trabalhos que posteriormente seria chamado de “Vulgata Latina”, essa sim, usada até os dias de hoje pela Igreja Católica.

Curiosamente, a Vetus Latina traz na passagem de Lc 1,28 o uso de “cheia de graça” para a saudação do Anjo feita a Maria, isto é, ainda no início das pregações evangélicas, as primeiras traduções para o latim, anteriormente a Jerônimo, já traziam o título da graça abundante sobre Maria.



Isto é, em nenhum momento foi adulterado algum verso, a questão é que os cristãos primitivos já haviam entendido a plenitude da graça atuante na vida da virgem Maria. Uma prova memorável de praticamente dois mil anos.

CONCLUSÃO

Afirmemos pela última vez: o termo κεχαριτωμένη só aparece única vez em toda a literatura bíblica e tal título é reservado a Maria Santíssima. É importante mencionar que o verbo χαριτoυν aparece exclusivamente na passagem de Efésios 1,6 fazendo clara referência a salvação da Igreja:

Ef 1,6 – “Para louvor e glória de sua graça, com a qual ele nos agraciou no amado”.

Somos agraciados, mediante a graça derramada por Deus e que vem de Deus para todos os crentes. E aqui faço a pergunta principal para entendermos o quanto Maria é cheia de graça:

Qual é a maior graça (favor imerecido) que recebemos do altíssimo? São João nos dá a resposta em seu evangelho:

Jo 3,16a – “Pois Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único

Quem é o amado que Paulo diz aos Efésios que por conta dELE nós somos “enchidos de favores” imerecidos?

Ef 1,7 – “E é pelo sangue deste que temos a redenção e a remissão dos pecados, segundo a riqueza de sua graça”.

Nós somos preenchidos por essa graça dentro do tempo, uma vez que, cremos no nome santo de Jesus Cristo e é esse salvador que corresponde à plenitude das graças. Maria como a primeira cristã, não foi cumulada de graça devido a uma ação posterior da sua fé, ao contrário, Nossa Senhora foi cumulada de graça, agraciada, cheia da graça de Deus anteriormente ao seu próprio nascimento para assim, cooperar eficazmente no plano de salvação. Imaculada devido aos méritos do próprio Senhor que a preservou maravilhosamente antes de seu nascimento.

Maria é cheia de graça, pois, carregou o próprio Deus em seu ventre, Ele sim, dono de TODAS as graças.

Salve Rainha! 

Ave, María, grátia plena, Dóminus tecum, benedicta tu in muliérbus et benedictus fructus ventris tui Iesus. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis, peccatóribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.

BIBLIOGRAFIA

1 – Dicionário de Mariologia (Editora Paulus);

2 – Mariologia; síntese bíblica, histórica e sistemática (José Cristo Rey García Paredes);

3 – Bíblia de Jerusalém;

4 – Vetus Latina